Por Camille Flammarion
Para nós a Natureza é um ser vivo e animado, e mais ainda – um
ser amigo. Onipresente, fala-nos pelas suas cores, pelos sons e
pelos movimentos; tem sorrisos para as nossas alegrias, gemidos
para as nossas tristezas, simpatia para todas as nossas aspirações.
Filhos da Terra, nosso organismo está em consonâncias vibratórias com todos os movimentos que constituem a vida da Natureza:
ele os compreende e deles compartilhamos, de modo a nos
deixarem n'alma uma repercussão profunda, a menos que o
artifício nos tenha atrofiado. Congênita do princípio da criação,
nossa alma reencontra o infinito na Natureza.
Para a ciência espiritualista, não mais se defrontam um mecanismo
automático e um Deus retraído na sua imobilidade absoluta.
Deus é potência e ato naturais; vive na Natureza, como nele
vive ela. O Espírito se faz pressentir através das formas materiais,
mutáveis. Sim, a Natureza tem harmonias para a alma, tem
quadros para o pensamento, tem tesouros para as ambições do
espírito e ternuras para as aspirações do coração. Sim, ela os tem,
porque não nos é estranha, não está de nós segregada e somos
um com ela.
Ora, a força viva da Natureza, essa vida mental que reside nela,
essa organização peculiar ao destino dos seres, essa sabedoria
e onipotência no entretenimento da criação, essa comunicação
íntima de um Espírito universal entre todos os seres, que coisa
outra poderá significar senão a revelação da existência de Deus,
a manifestação de um pensamento criador, eterno, imenso? Que
significam a faculdade eletiva das plantas, o instinto inexplicável
dos animais, a genialidade do homem? Que será o governo da
vida terrestre, sua direção em torno do seu foco de luz e de calor,
as revoluções solares, a movimentação de mundos incontáveis a
gravitarem conjugados no infinito? Que significará tudo isso,
senão a demonstração viva, imperiosa, de uma vontade que
subordina o mundo inteiro à sua potência, como envolve as
nossas obscuridades na sua luz? Que será o aspecto espiritual da
Natureza, senão pálida radiação da beleza eterna? – esplendor
desconhecido, que os nossos olhos, desviados por falsas claridades
da Terra, mal podem entrever, nas horas santas e benditas em
que o divino Ser nos permite sentir sua presença.
As leis da Natureza nos têm provado que existe uma inteligência
ordenadora. Essas leis – diz John Herschel (matemático e astrônomo inglês) – são, não
somente constantes, mas concordantes e inteligíveis. E são fáceis
de apreender com o auxílio de algumas pesquisas, mais próprias
a estimular que a extinguir a curiosidade. Se pertencêssemos a
outro planeta e, de súbito, nos transportássemos a um dos nossos
meios sociais no intuito de observar o que neles ocorre, ficaríamos
desde logo embaraçados para dizer se uma tal sociedade se
regeria por quaisquer leis. Se chegássemos a descobrir que ela
presumia tê-las,
haveríamos, então, de procurar, na sua conduta e conseqüências dela decorrentes, quais poderiam ser essas leis,
em que sentido foram concebidas e não teríamos, talvez, grandes
dificuldades no descobrir regras aplicáveis aos casos particulares;
mas, se quiséssemos generalizar, se tentássemos apreender
alguns princípios salientes, a massa de absurdos, de contradições
jorrantes de todos os lados, presto nos desviaria de um amplo
exame, ou nos convenceria da inexistência do objeto de nossa
pesquisa. Com a Natureza dá-se inteiramente o contrário. Nela
não há dissonância nem contradições e, sim, e só, harmonia. Não
temos jamais de esquecer o que soubemos uma vez. Quando as
regras se generalizam, as exceções aparentes tornam-se regulares.
Qualquer equívoco na sua legislação portentosa é tão inaudito
como um ato mal entendido.
Os grandes fatos da moderna Ciência têm, por conseguinte,
transformado a ideia de Deus, apresentando-o, ao demais, sob
um aspecto bem diverso do encarado até agora. Esse aspecto é,
ao mesmo tempo, mais grandioso e mais difícil de apreender.
E, contudo, nós podemos ao menos conceber, senão esboçar,
o conjunto dessa metamorfose progressiva.
A ignorância havia humanizado Deus e a Ciência diviniza-o –
se é que o pleonasmo não escandaliza os senhores gramáticos.
Outrora, Deus foi homem; hoje, Deus é Deus.
"Ouço Deus" - Vansan
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