terça-feira, 14 de junho de 2016

DEUS NA NATUREZA


Por Camille Flammarion

Para nós a Natureza é um ser vivo e animado, e mais ainda – um ser amigo. Onipresente, fala-nos pelas suas cores, pelos sons e pelos movimentos; tem sorrisos para as nossas alegrias, gemidos para as nossas tristezas, simpatia para todas as nossas aspirações. Filhos da Terra, nosso organismo está em consonâncias vibratórias com todos os movimentos que constituem a vida da Natureza: ele os compreende e deles compartilhamos, de modo a nos deixarem n'alma uma repercussão profunda, a menos que o artifício nos tenha atrofiado. Congênita do princípio da criação, nossa alma reencontra o infinito na Natureza.
Para a ciência espiritualista, não mais se defrontam um mecanismo automático e um Deus retraído na sua imobilidade absoluta. Deus é potência e ato naturais; vive na Natureza, como nele vive ela. O Espírito se faz pressentir através das formas materiais, mutáveis. Sim, a Natureza tem harmonias para a alma, tem quadros para o pensamento, tem tesouros para as ambições do espírito e ternuras para as aspirações do coração. Sim, ela os tem, porque não nos é estranha, não está de nós segregada e somos um com ela. Ora, a força viva da Natureza, essa vida mental que reside nela, essa organização peculiar ao destino dos seres, essa sabedoria e onipotência no entretenimento da criação, essa comunicação íntima de um Espírito universal entre todos os seres, que coisa outra poderá significar senão a revelação da existência de Deus, a manifestação de um pensamento criador, eterno, imenso? Que significam a faculdade eletiva das plantas, o instinto inexplicável dos animais, a genialidade do homem? Que será o governo da vida terrestre, sua direção em torno do seu foco de luz e de calor, as revoluções solares, a movimentação de mundos incontáveis a gravitarem conjugados no infinito? Que significará tudo isso, senão a demonstração viva, imperiosa, de uma vontade que subordina o mundo inteiro à sua potência, como envolve as nossas obscuridades na sua luz? Que será o aspecto espiritual da Natureza, senão pálida radiação da beleza eterna? – esplendor desconhecido, que os nossos olhos, desviados por falsas claridades da Terra, mal podem entrever, nas horas santas e benditas em que o divino Ser nos permite sentir sua presença.
As leis da Natureza nos têm provado que existe uma inteligência ordenadora. Essas leis – diz John Herschel (matemático e astrônomo inglês) – são, não somente constantes, mas concordantes e inteligíveis. E são fáceis de apreender com o auxílio de algumas pesquisas, mais próprias a estimular que a extinguir a curiosidade. Se pertencêssemos a outro planeta e, de súbito, nos transportássemos a um dos nossos meios sociais no intuito de observar o que neles ocorre, ficaríamos desde logo embaraçados para dizer se uma tal sociedade se regeria por quaisquer leis. Se chegássemos a descobrir que ela presumia tê-las,
haveríamos, então, de procurar, na sua conduta e conseqüências dela decorrentes, quais poderiam ser essas leis, em que sentido foram concebidas e não teríamos, talvez, grandes dificuldades no descobrir regras aplicáveis aos casos particulares; mas, se quiséssemos generalizar, se tentássemos apreender alguns princípios salientes, a massa de absurdos, de contradições jorrantes de todos os lados, presto nos desviaria de um amplo exame, ou nos convenceria da inexistência do objeto de nossa pesquisa. Com a Natureza dá-se inteiramente o contrário. Nela não há dissonância nem contradições e, sim, e só, harmonia. Não temos jamais de esquecer o que soubemos uma vez. Quando as regras se generalizam, as exceções aparentes tornam-se regulares. Qualquer equívoco na sua legislação portentosa é tão inaudito como um ato mal entendido.
Os grandes fatos da moderna Ciência têm, por conseguinte, transformado a ideia de Deus, apresentando-o, ao demais, sob um aspecto bem diverso do encarado até agora. Esse aspecto é, ao mesmo tempo, mais grandioso e mais difícil de apreender. E, contudo, nós podemos ao menos conceber, senão esboçar, o conjunto dessa metamorfose progressiva. A ignorância havia humanizado Deus e a Ciência diviniza-o – se é que o pleonasmo não escandaliza os senhores gramáticos. Outrora, Deus foi homem; hoje, Deus é Deus.

"Ouço Deus" - Vansan

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