Por Léon Denis
O egoísmo é irmão do orgulho e procede das mesmas
causas. É uma das mais terríveis enfermidades da alma, o
maior obstáculo ao melhoramento social. Por si só ele
neutraliza e torna estéreis quase todos os esforços que o
homem faz para atingir o bem. Por isso, a preocupação
constante de todos os amigos do progresso, de todos os
servidores da justiça deve ser a de combatê-lo.
O egoísmo é a persistência em nós desse individualismo
feroz que caracteriza o animal, como vestígio do estado de
inferioridade pelo qual todos já passamos. Mas, antes de tudo,
o homem é um ser social. Está destinado a viver com os seus
semelhantes; nada pode fazer sem o concurso destes.
Abandonado a si mesmo, ficaria impotente para satisfazer suas
necessidades, para desenvolver suas qualidades.
Depois de Deus, é à sociedade que ele deve todos os
benefícios da existência, todos os proventos da civilização. De
tudo aproveita, mas precisamente esse gozo, essa participação
dos frutos da obra comum lhe impõe também o dever de
cooperar nela. Estreita solidariedade liga-o a esta sociedade,
como parte integrante e mutuante. Permanecer inativo,
improdutivo, inútil, quando todos trabalham, seria ultraje à lei
moral e quase um roubo; seria o mesmo que lucrar com o
trabalho alheio ou recusar restituir um empréstimo que se
tomou.
Como parte integrante da sociedade, o que o atingir
também atinge a todos. É por essa compreensão dos laços sociais, da lei de solidariedade que se mede o egoísmo que
está em nós. Aquele que souber viver em seus semelhantes e
por seus semelhantes não temerá os ataques do egoísmo. Nada
fará sem primeiro saber se aquilo que produz é bom ou mau
para os que o rodeiam, sem indagar, com antecedência, se os
seus atos são prejudiciais ou proveitosos à sociedade que
integra. Se parecerem vantajosos para si só e prejudiciais para
os outros, sabe que em realidade eles são maus para todos e
por isso se abstém escrupulosamente.
A avareza é uma das mais repugnantes formas do egoísmo,
pois demonstra a baixeza da alma que, monopolizando as
riquezas necessárias ao bem comum, nem mesmo sabe delas
aproveitar-se. O avarento, pelo seu amor ao ouro, pelo seu
ardente desejo de adquirir, empobrece os semelhantes e torna-se
também indigente; pois, ainda maior que essa prosperidade
aparente, acumulada sem vantagem para pessoa alguma, é a
pobreza que lhe fica, por ser tão lastimável como a do maior
dos desgraçados e merecer a reprovação de todos.
Nenhum sentimento elevado, coisa alguma do que constitui
a nobreza da criatura pode germinar na alma de um avarento.
A inveja e a cupidez que o atormentam sentenciam-lhe uma
existência penosa, um futuro mais miserável ainda. Nada lhe
iguala o desespero, quando vê, de além-túmulo, seus tesouros
serem repartidos ou dispersados.
Vós que procurais a paz do coração, fugi desse mal
repugnante e desprezível. Mas, não caiais no excesso contrário.
Não desperdiceis coisa alguma. Sabei usar de vossos recursos
com critério e moderação.
O egoísmo traz em si o seu próprio castigo. O egoísta só vê
a sua pessoa no mundo, é indiferente a tudo o que lhe for
estranho. Por isso são cheias de aborrecimento as horas de sua
vida. Encontra o vácuo por toda parte, na existência terrestre,
assim como depois da morte, porque, homens ou Espíritos,
todos lhe fogem.
Aquele que, pelo contrário, aproveitando-se do trabalho já
encetado por outros, sabe cooperar, na medida de suas forças,
para a obra social e vive em comunhão com seus semelhantes,
fazendo-os compartilhar de suas faculdades e de seus bens, ou
espalhando ao seu redor tudo o que tem de bom em si, esse se
sente mais feliz. Está consciente de ter obedecido à lei e sabe
que é um membro útil à sociedade. Interessa-lhe tudo o que se
realiza no mundo, tudo o que é grande e belo sensibiliza-o e
comove; sua alma vibra em harmonia com todos os espíritos
esclarecidos e generosos; o aborrecimento e o desânimo não
têm nele acesso.
Nosso papel não é, pois, o da abstenção, mas, sim, o de
pugnar continuamente pela causa do bem e da verdade. Não é
sentado nem deitado que nos cumpre contemplar o espetáculo
da vida humana em suas perpétuas renovações: é de pé, como
campeão ou como soldado, pronto a participar de todos os
grandes trabalhos, a penetrar em novos caminhos, a fecundar o
patrimônio comum da Humanidade.
Embora se encontre em todas as classes sociais, o egoísmo
é mais apanágio do rico que do pobre. Muitíssimas vezes a
prosperidade esfria o coração; no entanto, o infortúnio, fazendo
conhecer o peso da dor, ensina-nos a compartilhar dos males
alheios. O rico saberá ao menos a preço de que trabalhos, de
que duros labores se obtêm as mil coisas necessárias ao seu
luxo?
Jamais nos sentemos a uma mesa bem servida sem
primeiro pensar naqueles que passam fome. Tal pensamento
tornar-nos-á sóbrios, comedidos em apetites e gostos.
Meditemos nos milhões de homens curvados sob os ardores
do estio ou debaixo de duras intempéries e que, em troca de
deficiente salário, retiram do solo os produtos que alimentam
nossos festins e ornam nossas moradas.
Lembremo-nos que, para iluminar os nossos lares com
resplandecente luz ou para fazer brotar chama benfeitora em nossas cozinhas, homens, nossos semelhantes, capazes como
nós de amar, de sentir, trabalham nas entranhas da terra,
longe do céu azul ou do alegre sol, e, de picareta em punho,
levam toda a vida a perfurar a espessa crosta deste planeta.
Saibamos que, para ornar os salões com espelhos, com
cristais brilhantes, para produzir os inumeráveis objetos que
constituem o nosso bem-estar, outros homens, aos milhares,
semelhantes ao demônio em volta de uma fogueira, passam
sua vida no calor calcinante das grandes fornalhas das
fundições, privados de ar, extenuados, consumidos antes do
tempo, só tendo por perspectiva uma velhice achacosa e
desamparada.
Sim, saibamo-lo, todo esse conforto de que gozamos com
indiferença é comprado com o suplício dos humildes e com o
esmagamento dos fracos. Que esse
pensamento se grave em
nós, que nos siga e nos obsidie; como uma espada de fogo, ele
enxotará o egoísmo dos nossos corações e forçar-nos-á a
consagrar nossos bens, lazeres e faculdades à melhoria da
sorte dessas criaturas.
Não haverá paz entre os homens, não haverá segurança,
felicidade social enquanto o egoísmo não for vencido, enquanto
não desaparecerem os privilégios, essas perniciosas
desigualdades, a fim de cada um participar, pela medida de
seus méritos e de seu trabalho, do bem-estar de todos. Não
pode haver paz nem harmonia sem justiça. Enquanto o
egoísmo de uns se nutrir dos sofrimentos e das lágrimas de
outros, enquanto as exigências do eu sufocarem a voz do
dever, o ódio perpetuar-se-á sobre a Terra, as lutas de
interesse dividirão os ânimos, tempestades surgirão no seio das
sociedades.
Graças, porém, ao conhecimento do nosso futuro, a ideia de
solidariedade acabará por prevalecer. A lei da reencarnação, a
necessidade de renascer em condições modestas, servirão
como aguilhões a estimular o egoísta. Diante dessas perspectivas, o sentimento exagerado da personalidade
atenuar-se-á para dar lugar a uma noção mais exata da
situação e papel do homem no Universo. Sabendo-nos ligados a
todas as almas, solidários no seu adiantamento e felicidade,
interessar-nos-emos com ardor pela sua condição, pelos seus
progressos, pelos seus trabalhos.
E, à medida que esse sentimento se estender pelo mundo,
as instituições, as relações sociais melhorarão, a fraternidade,
essa palavra repetida banalmente por tantos lábios, descerá
aos corações e tornar-se-á uma realidade. Então nos
sentiremos viver nos outros, para fruir de suas alegrias e sofrer
de seus males. Não mais haverá queixume sem eco, uma só
dor sem consolação. A grande família humana, forte, pacífica e
unida, adiantar-se-á com passo rápido para os seus belos
destinos.
Do Livro "O Caminho Reto"
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